Areia - Lado C por Bruna Freitas


«Em “Areia” – inspirado na contemplação do óleo sobre tela de 1891, Melancolia, de Edvard Munch – a mesma história é-nos contada sob duas perspectivas – o “Lado A” e o “Lado B”, tal como no conto “Investir em ti” –, dois homens que, sem se conhecerem, repartem o mesmo amor pela mesma mulher, e cujo amor carnal e efectivo de um, e o amor destroçado e ressentido de outro, acabam por reflectir, em lados aparentemente opostos, a mesma dúvida existencial: «Aconchego-me na areia, sentindo-me parte dela, apenas mais um grão; e espero» (aqui). Agora o "lado C":



Ao caminhar contigo de mão dada, naquela praia, relembrava alguns momentos que ali tinha passado com outro alguém, numa outra altura. Sentia algo por ti, não sei bem o quê, estava tensa, nervosa. Fiquei mais ao ver ao longe um vulto. Fiquei com receio de continuar. Era ele. Pesei em fingir que não o conhecia, mas seria rude. Então optei por ter uma atitude simpática. Pensei: já estive aqui com ele. Depois pensei que antes de ter estado ali com ele, já tinham existido outros eles. Ele foi alguém que amei ali, que me amou, mas que deixei para trás. Beijaste-me. Correspondi, mas sem sentir nada. Foste atingido. Olhei e era aquela figura do meu passado que deiei e magoei. Foste novamente atingido. Depois, pousou o pau, virou costa e partiu. Ainda me olhaste, sem entender o cedido. Pedi-te desculpa e desapareci. Sou prisioneira de outro amor. Perdão.
Bruna Freitas

POETISA-FÊMEA, POETA-MACHO, Adília Lopes

POETISA-FÊMEA, POETA-MACHO (cliché em papel couché)

1
Eu estou nua
eu estou viva
eu sou eu

Eu uso gravata
e, olhe, não foi barata

2
Sou uma poetisa-fêmea
falo do falo

Sou um poeta-macho
sacho

3
Sou um poeta-macho
sou um desmancha-prazeres
sou um empata-fodas

Sou uma poetisa-fêmea para mim
é tudo bestial

4
Sou um poeta-macho
sou arrogante
sou um pé de Dante

Sou um poeta-macho
sou um facto
sou um fato

5
Sou um poeta-macho
tenho um gabinete

sou uma poetisa-fêmea
escrevo na retrete

Sou um poeta-macho
sou um badalo

sou uma poetisa-fêmea
calo-me

6
A poetisa- fêmea
toca viola

o poeta-macho
viola-a
7
Senhora doutora,
os seus seios
são feios

o poeta-macho
assina o despacho
8
Não tenho culpa
não tenho desculpa
não tenho cuspo
não tenho tempo

9
Natália Correia, Mário Soares
antes me ponha
um cacto
mas não me mato



A ideia fundamental que retirei do poema prende-se com a diferença que existe entre a "poetisa fêmea"e o "poeta macho". Por exemplo, aparentemente, o poeta tem mais direitos. Ele tem um gabinete, enquanto ela só tem uma "retrete". Concluo que os homens tem mais oportunidades de dizer, mas as poetisas fêmeas conseguem dar a volta, escrevendo ainda melhor so que eles e dizendo tudo o que querem.


Gabriela Maximiano

POETISA-FÊMEA, POETA-MACHO, Adília Lopes

POETISA-FÊMEA, POETA-MACHO (cliché em papel couché)

1
Eu estou nua
eu estou viva
eu sou eu

Eu uso gravata
e, olhe, não foi barata

2
Sou uma poetisa-fêmea
falo do falo

Sou um poeta-macho
sacho

3
Sou um poeta-macho
sou um desmancha-prazeres
sou um empata-fodas

Sou uma poetisa-fêmea para mim
é tudo bestial

4
Sou um poeta-macho
sou arrogante
sou um pé de Dante

Sou um poeta-macho
sou um facto
sou um fato

5
Sou um poeta-macho
tenho um gabinete

sou uma poetisa-fêmea
escrevo na retrete

Sou um poeta-macho
sou um badalo

sou uma poetisa-fêmea
calo-me

6
A poetisa- fêmea
toca viola

o poeta-macho
viola-a
7
Senhora doutora,
os seus seios
são feios

o poeta-macho
assina o despacho
8
Não tenho culpa
não tenho desculpa
não tenho cuspo
não tenho tempo

9
Natália Correia, Mário Soares
antes me ponha
um cacto
mas não me mato


A ideia fundamental que retirei do poema prende-se com a diferença que existe entre a "poetisa fêmea"e o "poeta macho". Por exemplo, aparentemente, o poeta tem mais direitos. Ele tem um gabinete, enquanto ela só tem uma "retrete". Concluo que os homens tem mais oportunidades de dizer, mas as poetisas fêmeas conseguem dar a volta, escrevendo ainda melhor so que eles e dizendo tudo o que querem.

Gabriela Maximiano

Testamento, Ana Luísa Amaral


TESTAMENTO
Vou partir de avião
e o medo das alturas misturado comigo
faz-me tomar calmantes
e ter sonhos confusos

Se eu morrer
quero que a minha filha não se esqueça de mim
que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
e que lhe ofereçam fantasia
mais que um horário certo
ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
dentro das coisas
sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
em vez de lhe ensinarem contas de somar
e a descascar batatas

Preparem a minha filha
para a vida
se eu morrer de avião
e ficar despegada do meu corpo
e for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
a minha filha
e mais tarde que diga à sua filha
que eu voei lá no céu
e fui contentamento deslumbrado
ao ver na sua casa as contas de somar erradas
e as batatas no saco esquecidas
e íntegras

ANA LUÍSA AMARAL



O "Testamento" de Ana Luísa Amaral de que a poeta fala, não é um testamento material, mas uma forma de ela dizer o que quer para a sua filha, quais os seus desejos. Sabe-se que o sujeito lírico vai viajar de avião e receia a morte, por isso deixa bem claro o que quer para sua filha. Pede que alguém a eduque a filha com carinho, que não lhe ensinem só a fazer as tarefas dométicas e escolares, mas que a ensinem a ser feliz. Pede ainda que a lembrem, junto da filha, com contentamento.


Maria João

Ser forte, mandar


Ser forte, mandar
para que o mundo não se abra a meus pés
Para que não tenha que me matar.
E tu mãe que me disseste
Os homens a terra o mar, que me propuseste
O sacrifício e o altar, também sentes este ódio
Esta raiva, também vês o mundo a desfilar?

Carlos Luís Bessa


Não sei muito bem porquê, este poema chamou-me à atenção. Senti ao lê-lo que quem o escreveu, sente o mundo a desabar a seus pés e não tem explicação para tal. O sujeito poético sente-se repugnado pelo mundo. Sente que ou domina ou é dominado pelo mundo. No poema há também uma enorme raiva, daí o questionar a mãe. O pergutar-lhe se também ela sente o mundo assim.


Gabriela

Novas Cartas Portuguesas.


Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa foram levadas a julgamento em 1973, devido aos trechos ditos "imorais e pornográficos" contidos em Novas Cartas Portuguesas. Neste livro critica-se o patriarcado e questionam-se vários aspectos da vida nacional (a condição da mulher, a guerra colonial, a emigração, entre outros), utilizando como instrumento de luta uma linguagem que se ancora numa tradição literária que remonta às famosas cartas de Mariana Alcoforado ao Cavaleiro de Chamilly.
Essas cinco cartas de Soror Mariana do Alcoforado são a base deste livro, constítuido por nove carta, poemas e pequenos ensaios.
O excerto que se seguefaz parte das Novas Cartas Portuguesas, mas foi retirado ipsis erbis do Código Penal de 1971. Esta lei só foi revogada em 1982...

«Código Penal Português


Artigo 372º

(Provocação constituída por adultério ou corrupção de menores como provocação)

"O homem casado que achar sua mulher em adultério, cuja acusação lhe não seja vedada nos termos do artigo 404§, § 2º, e nesse acto matar ou a ela ou ao adúltero, ou a ambos, ou lhes fizer alguma das ofensas corporais declaradas nos artigos 360º, nº 3º a 5º, 361º e 366º, será desterrado para fora da comarca por seis meses.
§ 1º - Se as ofensas forem menores, não sofrerá pena alguma.
§ 2º - As mesmas disposições se aplicarão à mulher casada, que no acto declarado neste artigo matar a concubina teúda e manteúda pelo marido na casa conjugal, ou ao marido ou a ambos, ou lhes fizer as referidas ofensas corporais.
§ 3º - Aplicar-se-ão também as mesmas disposições, em iguais circunstâncias, aos pais a respeito de suas filhas menores de vinte e um anos e dos corruptores delas, enquanto estas viverem debaixo do pátrio poder, salvo se os pais tiverem eles mesmos excitado, favorecido ou facilitado a corrupção. »


Outro texto de NOVAS CARTAS PORTUGUESAS:

O PAI
Era perversa:
dormia toda nua, os peitos soltos e brandos muito brancos e expostos tal como os seus mamilos largos, róseos, distendidos.Durante o dia andava em casa com as blusas desabotoadas e sentava-se de qualquer maneira com os fatos a subirem-lhe sempre a meio das coxas, deixando antever entre as pernas uma escuridão macia, amolentada na sua meia penumbra.

Era perversa:

deitava-se nos sofás, ao comprido, os braços atirados para trás e ficava assim, toda lisa, ao seu alcance, sem mal, a passar a língua aguda pelos lábios já húmidos

Era perversa:

de um louro fundo, a pele penugenta, os olhos de um azul duro, sempre adormentados

Era perversa:

rodeava-lhe com os braços o pescoço, os seios a esmagarem-se-lhe de encontro ao peito e o hálito morno, sedoso, a roçar-lhe a nuca, a rastejar-lhe perto, como que entorpecido de saliva.

Era perversa:

Deixava a porta entreaberta, esquecida, enquanto se despia devagar, a descobrir o ventre brando, os ombros magros, devagar em breves movimentos, em secretos sons e pactos com a infância.

Era perversa:

trazia os cabelos em desalinho e mornos de sono quando o beijava de manhã, a dar-lhe os bons-dias, com uma distracção de hábito tomada.

Era perversa:

dormia toda nua, os peitos soltos e brandos muito brancos e expostos tal como os seus mamilos largos, róseos, distendidos.

Quando entrou no quarto o homem hesitou, a olhá-la, a fixá-la no seu sono, mas logo avança, silencioso, e de manso pára junto à cama a hesitar novamente. Depois estende uma das mãos, desliza-a na curva suave do peito, na anca quente, doce, o dedos crispados a entranharem-se já nos pêlos sedosos da púbis.Curva-se quando ela acorda e tapa-lhe a boca com força, brutal, mantendo-a deitada, firmemente, debaixo do seu corpo agora ao comprido sobre o dela.
Era perversa:tinha um riso liberto, sedento, e uma maneita envolvente de olhar os outros; um odor enlouquecido a entreabrir-se aos poucos, como um fruto, obsessivo: obsessivamente, obsessivamente.
Indiferente, Mariana sente que ele sai de dentro de si, sujando-a de esperma também por fora. Depois vê-o que se levanta da cama, se veste à pressa e se vai embora sem a olhar, todo o tempo mudo, mesmo enquanto a forçara, mudo mesmo quando a tivera, rendida, afundada naquele torpor, de onde não quer sair nunca mais, cada hora mais fundamente perdida.«- Tens de deixar esta casa - disse-lhe ele numa voz neutra, monocórdica - não podemos continuar a viver todos juntos na mesma casa depois do que se passou. Foste a culpada de tudo, bem sabes que foste a culpada de tudo, eu sou homem; sou homem e tu és provocante, perversa. és perversa. Uma mlher sem vergonha, sem pudor. Não te quero ver mais, enojas-me, repugnas-me, envergonhas-me. Tu percebias, sei que percebias, que sabias como me punhas. Eu sou homem minha puta.»

- Claro que sou uma puta, podes estar tranquilo, pai, sou uma puta.

«- Grande cabra - chamou-lhe a mãe quando ela se dirigia para a porta da rua, agarrada às paredes para não cair. - Grande cabra.»

23/4/71 in Novas Cartas Portuguesas

Areia - Lado C por Juliana Monteiro


Caminhamos lentamente pela praia. Enquanto eu falava, tu simplesmente ouvias-me, apesar de parecer que querias dizer qualquer coisa, algo que querias e não querias revelar.
Eu recordava alegremente a primeira vez que tinha estado naquela praia. Recordava o passado, até que o passado se tornou presente. Avistei-o ao longe, sentado numa rocha. Era como se me conseguisse ler o seu pensamento. Entender a sua dor. Ao aproximarmo-nos, disse-lhe, naturalmente, que estava com bom aspecto e que era bom revê-lo, mas aquilo perturbou-me, interferiu com o meu íntimo, tirou-me a serenidade. Algo me preocupava. Soltei uma gargalhada e voltei ao presente, à nossa conversa… e vi-o novamente. Dirigia-se a nós, mas com uma calma assustadora. Na mão trazia uma tábua de madeira. Aproximou-se. Soltei um grito. Estava apavorada e com ódio dele. Como podia ser capaz.
Vendo-o deitado sobre aqueles grãos de areia, afastou-se, deixando-me a sós com a dor com a culpa
.


Juliana Monteiro, nº 10 D

Areia - Lado C por Rui Filipe

O conto AREIA de Paulo Kellerman foi escrito a partir de duas perspectivas: Lado A e Lado B. A proposta foi escrever de um outro ponto de vista: o feminino. Esta é versão do Rui Filipe:







Nós andamos, à beira mar, na praia que já fiz crescer, sorris não percebo porquê, tento fazer com que fales, mas estás em silêncio, como se me quisesses dizer alguma coisa, mas receasses que fosse constrangedor. Ao longe vejo alguém, sentado num rochedo, a olhar o mar. Tu pareces um pouco aborrecido. Continuamos. Eu falo-te da primeira vez que estive nesta praia, enquanto ainda era adolescente.
Vejo agora quem está nos rochedos: é um homem, um dos homens que eu trouxe para esta mesma praia, seguimos, olho-o, vejo-o, observo-o.
Pergunto-lhe como está, ele murmura palavras que não ouço, no entanto, entendo, percebo cada palavra que esconde, minto, digo que parece estar bem. Perguntas-me quem era, penso que quero, penso que não devo, penso que devo entendo que queiras saber, mas espero que não entendas, porque não o faço.
Beijo-te, abraço-te, acaricio-te, fecho os olhos, tu gritas, sinto o sol bater-me na cara e o mar molhar-me os pés, este, fecha-se numa onda que nos une ainda mais, algo estranho acontece, deixo de sentir o Sol aquecer-me a cara, abro os olhos e vejo-o. Nos olhos dele, vejo ódio, de braços estendidos no ar segurando, fortemente um pedaço de madeira, ele desce os braços com força, acerdando-te, eu grito-te, ele repete atingindo-te com muita força. Ele avança para o mar, perco-o de vista. Pergunto-me se estás vivo.

Rui Filipe, nº14, 10ºD

Melancolia

Melancolia (1891) de Edward Munch

Paulo Kellerman, em Os Mundos Separados que Partilhamos, faz uma interpretação muito livre deste quadro de Munch. O conto em causa - Areia - mostra-nos dois lados de uma mesma história. O desafio (enorme) colocado à turma é o de criar a história que falta a este triângulo...


A começar

Este é o princípio da nossa viagem pela e com a literatura. Aqui vamos partilhar as nossas leituras, vamos descobrir e partilhar emoções, vamos envolver-nos nas paisagens, nas cores, nos gestos, nos sons que inspiraram as páginas de inúmeros textos que fazem parte da memória colectiva. Vamos voar e fazer um caminho nosso.