Traindo o poema


Juro: eu tinha prometido não escrever
este poema. Não gosto de supermercados
nem de poetas de supermercado, mas hoje enchi
a casa de manteiga e não pude evitar uma sensação
de metáfora, uma ironia a escorregar-me nos dedos
como anúncio de contemporaneidade. Juro: eu não preciso
de tantas embalagens, nem preciso deste poema,
mas há tantos dias que não posso tomar o pequeno-almoço
na minha casa sem manteiga, sem poema, que hoje enchi-me
de coragem para tudo isto.
E juro: apesar da traição, sinto-me hoje mais
contemporânea
do que nunca.

Filipa Leal

" Filipa Leal sabe que o poema pode ser muito mais do que uma coisa banal, daí o não gostar dos poetas que só falam do quotidiano." (Bruna Freitas)

"O que lhe escorrega dos dedos é a manteiga, não a ironia: a ironia é a forma que encontra para se distanciar dos 'poetas de supermercado' ." (Gabriella)

"O sujeito lírico entende que a poesia é algo que merece muita atenção: a poesia não serve para o banal." (Jessica)

"O sujeito poético traí a poesia ao escrever sobre algo banal. A poesia serve o inefável." (Rui)

"Filipa Leal não gosta de desperdiçar palavras a falar das coisas do dia-a-dia, mas e numa crítica aos seus contemporâneos, faz um poema com manteiga, com compras, com banalidades. Para ela a manteiga é tão essencial como o poema." (Juliana)

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