Poeta ou Poetisa? | a propósito de uma dúvida do Tiago


A meu ver o uso da forma feminina não diminui o prestígio da autora. No entanto, algumas mulheres intitulam-se a si próprias poetas. O exemplo maior, na nossa literatura, está em Sophia de Mello Breyner, para quem o termo poetisa não era verdadeiramente a forma feminina de poeta, pois atribuía às mulheres um estatuto de menoridade face aos homens com idêntica actividade. Contudo, se consultarmos os dicionários, nada há de explícito que confirme um sentido depreciativo associado à palavra poetisa.
Natália Correia também preferia o termo poeta: “Senhores jurados sou um poeta/ um multipétalo uivo um defeito / e ando com uma camisa de vento /ao contrário do esqueleto.
Actualmente, o uso do termo (conceito) “poeta” ou “poetisa” prende-se com diferentes patamares de luta do feminismo. Numa primeira fase, as mulheres criadoras, por uma questão de igualdade, preferiram o termo “poeta”, pois o termo poetisa era conotado com uma poesia menor, mais confessional, mais autobiográfica. O termo poeta - para homem ou para mulher - serviu assim para igualar na linguagem o feminino e o masculino.
Ainda que lentamente, o termo / conceito “poetisa” tem vindo a ser reabilitado: já não menoriza a criadora, mas a afirmar uma identidade socialmente construída, que não precisa de ser igual ao masculino, para se afirmar.
A questão é que apesar de as verdades poéticas serem ditas fingindo-se verdades que o são de facto, são sempre filtradas por um sujeito de enunciação que não coincide com o sujeito empírico. Todavia quando se fala em “poetisa” e não em “poeta”, ainda há, em muitos a tentação de aí procurarem marcas biográficas e confissões de intimidade. Aparentemente, pelo menos, o termo “poeta” ajuda a construir uma maior distanciação.
Adília Lopes prefere o termo “poetisa”:

Sou uma poetisa-fêmea falo do falo
Sou um poeta-macho
sacho

Este gosto pelo termo que marca o género, reforçado pleonasticamente com o termo “fêmea”,não é uma atitude demeritória, é antes de acordo com Anna Klobucka: «a performative exploration of anachronism as a device aimed at shaking the reader out of ahistorical complacency and reactivating awareness of gender as a factor of continuing crucial importance in the realm of social and cultural hermeneutics.» (Klobucka).
Mas isto fica para outra conversa.

No dizer de Adília, a poetisa não é a que escreve versos femininos; é quem, sendo mulher, escreve poesia. O poeta e a poetisa opõe-se porque socialmente ocupam espaços diferentes.

[Procurei no editorial da revista hífen 12 – quatro poéticas – alguma referência ao assunto, mas a poeta/poetisa Inês Lourenço não se compromete…]

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