A MULHER em Camões


A MULHER

Em Camões encontramos dois tipos de mulher, que correspondem a dois tipos de entendimento do amor (carnal e espiritual). 1º) a que é intocável, misteriosa, sempre ausente mesmo quando presente __ a ausência é a sua presença ou a presença é a sua ausência, ela está sempre para além do "véu terrestre"-, perante a qual o poeta se coloca de joelhos em atitude de vassalagem e de adoração. É a Laura de Petrarca. " Ela é a beleza, com os seus cabelos que fazem perder o preço ao ouro, o seu gesto sereno, a sua alegria grave, a sua harmonia pura e exacta, que dá sentido à Natureza, como as ninfas de Boticelli no meio das flores, mas sem o corpo visível. É inacessível e intocável. O seu sorriso é impessoal como o de Gioconda ( ... ) Viva não é deste mundo. Petrarca chora inconsolavelmente a sua ausência, sempre no mesmo tom elegíaco. ( ... ). A morte dela não é um desastre, antes uma nova forma de ausência - ausência a que se reduziu sempre a presença de Laura." E, sendo uma imagem que está escrita na alma, é principalmente na ausência que ela se torna evidente à contemplação interior. ( ... ) Por estar longe da amada o Poeta vê mais intensamente dentro da alma, a essência da sua beleza, de que os cabelos, os olhos, as faces, são apenas, como diria Petrarca, o "véu terrestre". Sem embargo de o Poeta dizer que o objecto da sua visão é superior a tudo o que cantaram Dante e Petrarca, é na realidade a imagem de Beatriz e Laura a que ele vê na sua contemplação : é a ideia, o objecto, que os poetas vêm apurando desde os trovadores provençais. António José Saraiva
2º) Outro tipo de mulher é a terrena, modelada de formas ondulantes e atraentes, perante a qual o homem se sente irresistivelmente atraído, causando- lhe a alegria dos sentidos. É a Vénus que enche Os Lusíadas e cujas formas graciosas apaziguam tempestades e vinganças. Para concluir, referimos uma vez mais as palavras de A. José Saraiva, : " Há pois, uma oposição profunda entre as duas ideias da lírica : Laura e Vénus. Uma é centrífuga em relação à terra, outra é centrípeta, uma é a negação do sensível, outra é a sua afirmação; uma cabe dentro dos moldes da hierarquia feudal, outra quebra- os; uma é transcendentalista, outra é imanentista. A poesia de Camões acha- se partida pelo meio".


Petrarquismo

O Petrarquismo consiste na livre expansão da alma enamorada de uma mulher ideal, uma mulher dotada de todas as perfeições e com graças terrenas que se ama com um amor que aspira a libertar- se da mancha da sensualidade como meio de ascender à contemplação divina, mas que a cada passo deseja possuir- se. É o amor platónico, ideal e espiritual.
Essa mulher ideal apresentava um determinado tipo de beleza : cabelos de oiro, olhar brando e sereno, riso terno e subtil, gesto manso, olhos verdes ou azuis, tez branca e rosada e lábios vermelhos.





Soneto
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.





O conceito do amor é platónico. A plenitude é a contemplação da beleza e o veículo para atingir esse nirvana é precisamente o amor, que necessita de um exercício de perfeição. Isso implica uma certa mortificação do corpo. Concebe-se o ser humano como alma e corpo. É a ideia tradicional de que o corpo é da matéria dos sentidos, para nos elevarmos é necessário que consigamos domesticar o corpo. Platão concebe o amor como uma libertação do fisíco. Temos que nos libertar das contingências do corpo que nos podem impedir de ser espírito. Só ao aperfeiçoarmo-nos é que podemos então dominar o corpo, compreendê-lo e reintegrá-lo finalmente. O sujeito transforma-se no ideal. Se a alma está transformada na amada, o que é que o corpo pretende? Pode descansar pois só à alma está ligado. A ideia está no pensamento. Já não é só o amor espiritual. Já não o satisfaz a pura semideia mas busca a posse física. A contradição dele é sentida pelo leitor. Ele não consegue libertar-se inteiramente daquela carne esmagadora.



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