Poesia Provençal


"A actividade trovadoresca floresceu no reino de Portugal desde os inícios do séc. XIII até meados do séc. XIV. Ao contrário do que aconteceu no sul de França e mesmo na Galiza, onde abundaram os jograis, isto é, indivíduos de condição não nobre que assumiam esta manifestação cultural como uma profissão da qual retiravam os proventos necessários à sua sobrevivência, a maior parte, senão a totalidade, dos autores portugueses eram trovadores, pertencendo, portanto, aos vários estratos em que a nobreza portuguesa se dividia na altura. Entre eles encontramos um rei, D. Dinis, alguns membros da família régia, como D. Gil Sanches, bastardo de D. Sancho I, D. Afonso Sanches e o conde D. Pedro, bastardos de D. Dinis, alguns magnates, como D. Garcia Mendes d'Eixo ou de Sousa e seu filho D. Gonçalo Garcia, D. Afonso Lopes de Baião ou D. João Peres de Aboim, mas o grupo mais significativo é, sem dúvida, o dos simples cavaleiros, detentores de pequenos domínos senhoriais ou relegados à condição de simples vassalos em cortes senhoriais mais importantes. Neste grupo podemos incluir, entre outros, Afonso Mendes de Besteiros, Afonso Pais de Braga, Estevão Fernandes Barreto, Estevão Travanca, Fernão Rodrigues de Calheiros, o escudeiro João de Gaia, João de Guilhade, João Soares Coelho, João Soares Somesso, Martim Peres Alvim, Martim Soares, Pero Dornelas, Pero Mafaldo, Pero Mendes da Fonseca, Rodrig'Eanes d'Alvares, Rui Martins do Casal, Rui Queimado ou Vasco Praga de Sandim." [...]
"Constituindo-se como ficção literária através da qual era permitido ao cavaleiro ultrapassar os obstáculos postos na prática ao seu acesso à mulher e, através dela, à criação de uma nova linhagem, não admira que a cantiga de amor se tivesse imposto, junto dos cavaleiros portugueses, aos restantes géneros poéticos praticados por trovadores e jograis. Nesta perspectiva, a adopção desta manifestação cultural tinha subjacente não somente o fenómeno de pauperização dos filhos segundos e de outros cavaleiros, mas também o "resguardo" da mulher nobre por parte dos chefes de linhagens, presente, nomeadamente, no seu encaminhamento para as instituições monásticas femininas de recente fundação; e o afastamento entre o cavaleiro e a dama, implícito nas modificações acabadas de assinalar, acabou por levar o primeiro a projectar uma imagem mítica da segunda, sustentada pela reutilização e reformulação, em benefício desta, da terminologia que enquadrava as relações de carácter pessoal por eles mantidas nos meios senhoriais onde se situavam."

"Se nos voltarmos agora para as cantigas de amigo, situamo-nos aparentemente no mesmo mundo: o do foro amoroso do compositor, encenado no ambiente familiar da amiga, donde parte por vezes a oposição a esse relacionamento através da interposição da figura da mãe. Nelas, portanto, estão igualmente presentes os constrangimentos sociais já anotados em relação à cantiga de amor. As semelhanças invocadas não devem, todavia, esconder algumas divergências de fundo existentes entre ambos os géneros poéticos. A mais visível diz respeito ao novo enquadramento proposto para este relacionamento amoroso. Como é sabido, a figura do autor apaga-se dando voz à "amiga", que é quem, sozinha ou acompanhada por vezes pela mãe ou pelas amigas, se expôe, relatando-nos as atitudes e sentimentos nela provocadas por esse relacionamento. Ora, esta inversão dos papéis desempenhados até então pelo homem e pela mulher a nível literário, desinserida já do contexto vassálico vigente no serviço amoroso e na imagem da mulher da cantiga de amor, foi acompanhada, além disso, por um alargamento do quadro sentimental do poeta. Com efeito, se a cantiga de amigo ainda reproduz a coita amorosa da cantiga de amor, agora associada à figura feminina, nela cabe também a satisfação ou felicidade resultante de um amor já correspondido. Deste modo, a cantiga de amigo, e a própria cantiga de amor - pela quebra da sua importância e ao mesmo tempo pelas modificações nela operadas -, ao proporem saídas para o estado de infelicidade do compositor, anunciavam que algo se modificara no meio trovadoresco relativamente aos obstáculos de ordem familiar e social por nós destacados para justificarmos a implantação deste movimento cultural no ocidente peninsular. E resolvidos, pelo menos parcialmente, os problemas da "casa", o trovador podia dedicar uma maior atenção ao mundo que o rodeava."

"É a construção deste mundo, onde se tenta a reaproximação da dama e do cavaleiro, que podemos hoje acompanhar lendo as composições das primeiras gerações de trovadores portugueses. Na obra de alguns deles como, por exemplo, na de João Soares Somesso, constituída quase somente por cantigas de amor, ainda se podem ver com nitidez as marcas de um distanciamento compulsivo que a coita do compositor, isto é, o seu sofrimento amoroso, pela sua presença obsessiva, não resolveu por completo. Nas poucas cantigas de escárnio e de maldizer destes trovadores, uma das quais é atribuída ao mesmo João Soares, a mulher é novamente um dos temas fortes, agora num registo mais descritivo e satírico. As recusas de damas nobres em se unirem a pretendentes escolhidos pelas respectivas linhagens, a crítica à sua ligação a indivíduos de condição social inferior, vilãos ou cavaleiros-vilãos, ou ainda os raptos de duas damas da mais alta nobreza por nobres de categoria inferior, desvendam-nos parcialmente as estratégias que a têm como alvo e, ao mesmo tempo, os discursos suscitados pelo seu comportamento ou pelo comportamento dos que interferem, de alguma maneira, com o seu percurso." (António Resende de Oliveira)


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