Histórias de mão em mão


Palavras
                 texto de Miguel Carvalho10.ºA, 10.ºB,  10.ºC,  10.ºD, 10.ºE


Por vezes, o silêncio inunda a casa como águas correndo livres. Trepa pelas paredes, toca os objectos. Humedecendo memórias, desbotando palavras passadas, pretéritos imperfeitos. Quando o silêncio invade a casa como águas correndo livres quase inunda o rosto desse nada liquefeito e todas as certezas se deterioram. Mas quando entra o sol, manhã dentro, a vida está de novo seca. Posta ao relento, enxuta. No estendal dos dias, penduramos então os sonhos. 
            Estes trazem-nos lembranças, memórias e também pensamentos futuros que nos alimentam esperanças. Os sonhos, por vezes, servem de molas às nossas motivações, desejos e objectivos. E, quando o silêncio essas motivações inunda, nada sobra para se desejar. No silêncio, cabe tudo o que ainda não dissemos. E o que dissemos pedindo mais silêncios.
Sobreviver a palavras mudas e ocas é calarmos a frase por dentro. 
Sobreviver a essas palavras guardadas na mente, aos pensamentos que não revelamos, causa a verdadeira dor. Tudo fica guardado na caixinha a que chamamos memórias. Estas condicionam os sonhos que teimam em não sair do estendal. Lembrar do que fiz traz dor, uma dor que não se compara à lembrança do que não fiz, do que não te disse... O interior das palavras é o que as faz ganhar significado e voar de coração em coração, fazendo o que o silêncio não pode fazer. 
            Os corações pedem palavras vividas, mas ainda por viver. Como escrever com os dedos o encantamento como se não houvesse palavras antes? 
As memórias, “palavras antes”, não podem impedir de sonhar e alcançar a nossa liberdade. Essas palavras são algo que nos ajuda a traçar o nosso destino, pois memórias vividas não são esquecidas, mas sim perdidas quando não recordadas. Assim, quando o Verão chega, as nuvens desaparecem, os sonhos voltam e a esperança renasce. 
Que as frases ganhem asas, que andem em reboliço por dentro da pele. E letra a letra se escreva chão, nunca «não». 
Que o «não» nunca nos impeça de voar mais alto … Que as «frases» andem de boca em boca criando esperanças. Os sonhos não vivem de frases feitas, palavras mudas… mas de memórias vividas que nos dão fôlego para continuar. São as memórias que penduram palavras incertas ditas ao acaso, espontâneas, sem pensar no que virá depois, no que aconteceu antes... Em nada se pensa quando os sentimentos são raros e puros. Quando as palavras fogem do papel e se escondem no coração, saem brilhantes pelos olhos, em forma de lágrima ou de sorriso. 
Que as mãos guardem a vida conjugada sem gramáticas conhecidas. Letra a letra. Presente. Do infinito. 
A vida é um verbo que se conjuga no passado, no presente e no futuro.
 Que as nossas mãos agarrem o presente para construir aquele futuro. Que consigam agarrar, pouco a pouco, os sonhos para que a esperança não morra e o infinito seja o limite.
Que as mãos guardem a vida para que tudo o que hoje somos jamais seja esquecido!...

[Este texto faz parte de uma colectânea de histórias  que nasceu do projecto LER É PRECISO! . De mão em mão, alunos do pré-escolar, dos terceiro, quarto, quinto, sétimo e décimo anos do Agrupamento de Escolas do Cerco, juntamente com autores e ilustradores, teceram O Juntador de Azuis, O Pirilampo Octávio; Era uma Vez o Pedro Três, Fada Madragana e Palavras
Esta aventura teve a colaboração generosa e disponível de  Ana Luísa Amaral, Ana Mendanha, André Constante, Antónia Carvalho, Beatriz Hierro Lopes, Isabel Carvalho, João Pedro Mésseder, Miguel Carvalho, Nuno Barrigão, Sílvia Dias, Tiago Araújo e a Vítor Guedes.] 

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