Folhas Caídas



Os últimos anos da vida de Garrett são dominados por uma paixão fatal por uma senhora casada da alta sociedade lisboeta, Rosa de Montufar, viscondessa da Luz, a inspiradora das Folhas Caídas (1853), livro que escandalizou a sociedade da época, na medida em que revelava, com exibicionismo, esses amores ilícitos, mas que constitui afinal a grande inovação do lirismo romântico.

Nas Folhas Caídas, o seu último livro de versos e aquele em que a vida e a poesia estão intimamente ligadas, a ponto de escandalizar e simultaneamente apaixonar os leitores da época, Garrett liberta-se completamente da formação arcádica e compõe uma obra inovadora e moderna, tanto pelo conceito de amor que nela canta ( uma devastadora paixão sensual), como pela métrica, inspirada na poesia popular, com predomínio da redondilha maior e menor, e o emprego de novos recursos estilísticos, por exemplo a sinestesia, em que precedeu os Simbolistas; mas, sobretudo, pelo tom directo, emotivo, coloquial.

A poesia das Folhas Caídas não é verdadeiramente lírica, mas dramática, pois nela se exprime um drama amoroso, e os desabafos do poeta são dirigidos a uma personagem, a mulher amada, cuja presença  está sempre implícita e tem de subentender-se, para que se possa compreender a técnica do “monólogo dialogado”, que caracteriza a grande maioria dos poemas desta obra. A técnica dramática evidencia-se ainda nos processos adoptados pelo autor ( antíteses, monólogos, diálogos subentendidos, apóstrofes, interrogações, invocações), no nível de língua ( linguagem oral e familiar) e no emprego dos verbos no Presente do Indicativo.  (Maria Ema T. Ferreira)



GOZO E DOR

Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
– Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso do gozo é dor.

Dói-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.

É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida – ou a razão.

Almeida Garrett

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