A outra, Ana Teresa Pereira

A OUTRA Ana Teresa Pereira Relógio D'Água, 68 págs., €12 
 Já lemos e gostámos.




"A Outra": O ponto de vista do fantasma 
por José Mário Silva (daqui)


Em 2004, numa das suas crónicas no "Público", Ana Teresa Pereira escreveu o seguinte: "No conto 'O Desenho no Tapete' (...), Henry James fala do 'segredo' que o autor vai tecendo no próprio corpo do texto, o fio no qual estão enfiadas as pérolas, enfim, a verdadeira história que, se o romance ou conto tiver vida, está em todas as partes, e é contada por cada palavra, por cada sinal de pontuação. Claro que se existe um inconsciente do texto, e eu não tenho dúvidas de que existe, o autor pode ser o último a saber ou até nunca saber. Em 'A Volta no Parafuso', James deixou falar livremente o seu desejo e o seu medo. Mas é o nosso desejo e o nosso medo que vamos encontrar na novela."
Foi a partir desta projeção da escritora madeirense numa história alheia que nasceu o seu livro mais recente: "A Outra", um conto perfeito, daqueles que apetece ler em voz alta, várias vezes - pecando apenas por ser demasiado breve e por apresentar uma estrutura narrativa tão elíptica, tão reduzida ao mínimo dos mínimos, que se torna opaca para quem não conheça a novela de James.

Publicada em 1898, "A Volta no Parafuso" é uma ghost story em que uma precetora chega a um casarão na província para cuidar de duas crianças (Miles e Flora), cujos pais morreram e de quem o tio não se pode ocupar. Um dia, ela começa a ver o que aparentemente mais ninguém vê: um homem e uma mulher que correspondem às descrições de Miss Jessel, a anterior precetora, e Peter Quint, o seu amante, ambos mortos.
A narradora convence-se de que os meninos também reconhecem os fantasmas e que estes querem roubá-los. O desenlace é trágico. Ainda hoje, há discussões entre os leitores da novela em torno da questão de saber se os fantasmas eram reais ou apenas alucinações, fruto de um estado psicótico da protagonista. Depois de Freud, a história fantástica de James até pode ser reduzida a um caso clínico, mas não perde a sua capacidade de nos perturbar.

Virar a história do avesso


O que Ana Teresa Pereira faz não é apenas contar de novo esta história. É olhá-la de outra perspetiva. É virá-la do avesso, para nos mostrar o ponto de vista de Miss Jessel, o fantasma. É, no fundo, invadir o território de James com a sua própria linguagem: ali onde um se demora, construindo lentamente a tempestade, a outra espalha relâmpagos, fragmentos curtos, súbitos clarões. E, como sempre nos seus livros, há insistências, simetrias, circularidades, imagens que se repetem vindas de obras anteriores: as charnecas batidas pelo vento, as flores; ou o lago "assombrado", com uma "leve neblina" a nascer das águas.
No princípio, vemos como Miss Jessel se predispõe a desempenhar o papel principal, semelhante ao das heroínas dos romances que lia às escondidas do pai ("Jane Eyre" e "O Monte dos Vendavais", com esse Heathcliff capaz de lhe tirar o sono).
Ela é bonita e tem consciência da sua beleza: cabelo cor de cobre pela cintura, olhos azuis, uma aura como a das mulheres etéreas e carnais pintadas por Dante Gabriel Rossetti. Já Quint parece uma "versão áspera e brutal" do seu patrão, o senhor de Bly, de cujas roupas e pose se apropria. Ele é o homem omnipresente, à janela ou no cimo da torre, o que tem "todo o conhecimento das coisas selvagens", o ator ("quase como alguém", mas "só quase") que há de representar com Miss Jessel uma "peça diabólica", em que no limite usurpam as próprias crianças: "E Miles e Flora caminhavam num mundo criado por nós. E sentiam-se protegidos, e felizes."
Até que a morte os relega para o lugar de quem não encontra "o caminho para o Céu ou para o Inferno".
Quando, por fim, se reconhecem e enfrentam, as duas precetoras tocam no tal "segredo" mais fundo do texto: "Por quem está apaixonada a precetora de cabelo castanho?" A resposta óbvia seria Quint, mas Ana Teresa Pereira, na crónica de 2004, insinua que pode ser Miles. Na verdade, tanto faz. Porque "os fantasmas de Bly são os nossos" e, tal como em relação à história original de James, "é o nosso desejo e o nosso medo que vamos encontrar".

Talk Show | Rui Horta | por Filipa Miguel





Tendo como horizonte referencial as obras que conheces do romantismo português, explica num texto de 70 a 100 palavras, por que motivo Talk Show é, segundo Rui Horta, uma peça “ultra-romântica".
Talk-Show de Rui Horta é, tal como o próprio autor afirma, uma obra ultra-romântica, dado que há obsessão pela  da Morte.
Esta temática é comum a  todas as obras românticas e, em Talk Show, percebemos a fugacidade da vida, de como de um instante para o outro “o corpo se pode apagar”. Nesta peça, fala-se do corpo como o único espectador da longa viagem, sendo a nossa única propriedade.
Uma vez mais, há uma supervalorização do interior humano, há a busca das efemérides do passado como sendo cruciais ao presente e condicionando o futuro. Outras das características que fazem deste espectáculo ultra-romântico são os constantes duelos, as idealizações contínuas, o negativismo e o egocentrismo.
 

A CARTA DA CORCUNDA PARA O SERRALHEIRO | Fernando Pessoa


[monólogo inicial de Sombras ]
A CARTA DA CORCUNDA PARA O SERRALHEIRO

Senhor António:

O senhor nunca há-de ver esta carta, nem eu a hei-de ver segunda vez porque estou tuberculosa, mas eu quero escrever-lhe ainda que o senhor o não saiba, porque se não escrevo abafo.
O senhor não sabe quem eu sou, isto é, sabe mas não sabe a valer. Tem-me visto à janela quando o senhor passa para a oficina e eu olho para si, porque o espero a chegar, e sei a hora que o senhor chega. Deve sempre ter pensado sem importância na corcunda do primeiro andar da casa amarela, mas eu não penso senão em si. Sei que o senhor tem uma amante, que é aquela rapariga loura alta e bonita; eu tenho inveja dela mas não tenho ciú­mes de si porque não tenho direito a ter nada, nem mesmo ciúmes. Eu gosto de si porque gosto de si, e tenho pena de não ser outra mulher, com outro corpo e outro feitio, e poder ir à rua e falar consigo ainda que o se­nhor não me desse razão de nada, mas eu estimava conhecê-lo de falar.
O senhor é tudo quanto me tem valido na minha doença e eu estou-lhe agradecida sem que o senhor o saiba. Eu nunca poderia ter ninguém que gostasse de mim como se gosta das pessoas que têm o corpo de que se pode gostar, mas eu tenho o direito de gostar sem que gostem de mim, e também tenho o direito de chorar, que não se negue a ninguém.
Eu gostava de morrer depois de lhe falar a primeira vez mas nunca terei coragem nem maneiras de lhe falar. Gostava que o senhor soubesse que eu gostava muito de si, mas tenho medo que se o senhor soubesse não se importasse nada, e eu tenho pena já de saber que isso é absolutamente certo antes de saber qualquer coisa, que eu mesmo [sic] não vou procurar saber.
Eu sou corcunda desde a nascença e sempre se riram de mim. Dizem que todas as corcundas são más, mas eu nunca quis mal a ninguém. Além disso sou doente, e nunca tive alma, por causa da doença, para ter grandes raivas. Tenho dezanove anos e nunca sei para que é que cheguei a ter tanta idade, e doente, e sem ninguém que tivesse pena de mim a não ser por eu ser corcunda, que é o menos, porque é a alma que me dói, e não o corpo, pois a corcunda não faz dor.
Eu até gostava de saber como é a sua vida com a sua amiga, porque como é uma vida que eu nunca posso ter — e agora menos que nem vida tenho — gostava de saber tudo.
Desculpe escrever-lhe tanto sem o conhecer, mas o senhor não vai ler isto, e mesmo que lesse nem sabia que era consigo e não ligava importân­cia em qualquer caso, mas gostaria que pensasse que é triste ser marreca e viver sempre só à janela, e ter mãe e irmãs que gostam da gente mas sem ninguém que goste de nós, porque tudo isso é natural e é a família, e o que faltava é que nem isso houvesse para uma boneca com ossos às avessas como eu sou, como eu já ouvi dizer.
Houve um dia que o senhor vinha para a oficina e um gato se pegou à pancada com um cão aqui defronte da janela, e todos estivemos a ver, e o senhor parou, ao pé do Manuel das Barbas, na esquina do barbeiro, e depois olhou para mim para a janela, e viu-me a rir e riu também para mim, e essa foi a única vez que o senhor esteve a sós comigo, por assim dizer, que isso nunca poderia eu esperar.
Tantas vezes, o senhor não imagina, andei à espera que houvesse outra coisa qualquer na rua quando o senhor passasse e eu pudesse outra vez ver o senhor a ver e talvez olhasse para mim e eu pudesse olhar para si e ver os seus olhos a direito para os meus.
Mas eu não consigo nada do que quero, nasci já assim, e até tenho que estar em cima de um estrado para poder estar à altura da janela. Passo todo o dia a ver ilustrações e revistas de modas que emprestam à minha mãe, e es­tou sempre a pensar noutra coisa, tanto que quando me perguntam como era aquela saia ou quem é que estava no retrato onde está a Rainha de Ingla­terra, eu às vezes me envergonha de não saber, porque estive a ver coisas que não podem ser e que eu não posso deixar que me entrem na cabeça e me dêem alegria para eu depois ainda por cima ter vontade de chorar.
Depois todos me desculpam, e acham que sou tonta, mas não me jul­gam parva, porque ninguém julga isso, e eu chego a não ter pena da des­culpa, porque assim não tenho que explicar por que é que estive distraída.
Ainda me lembro daquele dia que o senhor passou aqui ao Domingo com o fato azul claro. Não era azul claro, mas era uma sarja muito clara para o azul escuro que costuma ser. O senhor ia que parecia o próprio dia que es­tava lindo e eu nunca tive tanta inveja de toda a gente como nesse dia. Mas não tive inveja da sua amiga, a não ser que o senhor não fosse ter com ela mas com outra qualquer, porque eu não pensei senão em si, e foi por isso que invejei toda a gente, o que não percebo mas o certo é que é verdade.
Não é por ser corcunda que estou aqui sempre à janela, mas é que ainda por cima tenho uma espécie de reumatismo nas pernas e não me posso mexer, e assim estou como se fosse paralítica, o que é uma maçada para todos cá em casa e eu sinto ter que ser toda a gente a aturar-me e a ter que me aceitar que o senhor não imagina. Eu às vezes dá-me um desespero como se me pudesse atirar da janela abaixo, mas eu que figura teria a cair da janela? Até quem me visse cair ria e a janela é tão baixa que eu nem mor­reria, mas era ainda mais maçada para os outros, e estou a ver-me na rua como uma macaca, com as pernas à vela e a corcunda a sair pela blusa e toda a gente a querer ter pena mas a ter nojo ao mesmo tempo ou a rir se calhasse, porque a gente é como é não como tinha vontade de ser.
O senhor que anda de um lado para o outro não calcula qual é o peso de a gente não ser ninguém. Eu estou à janela todo o dia e vejo toda a gente passar de um lado para o outro e ter um modo de vida e gozar e falar a esta e àquela, e parece que sou um vaso com uma planta murcha que ficou aqui à janela por tirar de lá.
O senhor não pode imaginar, porque é bonito e tem saúde o que é a gente ter nascido e não ser gente, e ver nos jornais o que as pessoas fazem, e uns são ministros e andam de um lado para o outro a visitar todas as ter­ras, e outros estão na vida da sociedade e casam e têm baptizados e estão doentes e fazem-lhe operações os mesmos médicos, e outros partem para as suas casas aqui e ali, e outros roubam e outros queixam-se, e uns fazem grandes crimes e há artigos assinados por outros e retratos e anúncios com os nomes dos homens que vão comprar as modas ao estrangeiro, e tudo isto o senhor não imagina o que é para quem é um trapo como eu que fi­cou no parapeito da janela de limpar o sinal redondo dos vasos quando a pintura é fresca por causa da água.
Se o senhor soubesse isto tudo era capaz de de vez em quando me di­zer adeus da rua, e eu gostava de se lhe puder pedir isso, porque o senhor não imagina, eu talvez não vivesse mais, que pouco é o que tenho de viver, mas eu ia mais feliz lá para onde se vai se soubesse que o senhor me dava os bons dias por acaso.
A Margarida costureira diz que lhe falou uma vez, que lhe falou torto porque o senhor se meteu com ela na rua aqui ao lado, e essa vez é que eu senti inveja a valer, eu confesso porque não lhe quero mentir, senti inveja porque meter-se alguém connosco é a gente ser mulher, e eu não sou mu­lher nem homem, porque ninguém acha que eu sou nada a não ser uma es­pécie de gente que está para aqui a encher o vão da janela e a aborrecer tudo que me vê, valha-me Deus.
O António (é o mesmo nome que o seu, mas que diferença!), o Antó­nio da oficina de automóveis disse uma vez a meu pai que toda a gente deve produzir qualquer coisa, que sem isso não há direito a viver, que quem não trabalha não come e não há direito a haver quem não trabalhe. E eu pensei que faço eu no mundo, que não faço nada senão estar à janela com toda a gente a mexer-se de um lado para o outro, sem ser paralítica, e tendo maneira de encontrar as pessoas de quem gosta, e depois poderia produzir à vontade o que fosse preciso porque tinha gosto para isso.
Adeus senhor António, eu não tenho senão dias de vida e escrevo esta carta só para a guardar no peito como se fosse uma carta que o senhor me escrevesse em vez de eu a escrever a si. Eu desejo que o senhor tenha todas as felicidades que possa desejar e que nunca saiba de mim para não rir porque eu sei que não posso esperar mais.
Eu amo o senhor com toda a minha alma e toda a minha vida. Aí tem e estou toda a chorar.

MARIA JOSÉ

Prosa Íntima e de Autoconhecimento
Fernando Pessoa

Poema, Mário Cesariny

Poema

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes   loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como os amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos   e na boca
Mário Cesariny
In Pena Capital. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, p. 44

Na Biblioteca Almeida Garrett

Na Biblioteca Almeida Garrett escutámos a "lição" da Professora Doutora Ofélia Paiva Monteiro sobre Almeida Garrett.

Aqui um magnífico texto de Ofélia Paiva Monteiro sobre Garrett, o cidadão.
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"Os poetas fizeram-se cidadãos", Ofélia Paiva Monteiro



Amanhã, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, 15h30 -  Professora Doutora Ofélia Paiva Monteiro (Universidade de Coimbra) e   "Os poetas fizeram-se cidadãos"




Vós que as rosas gentis buscais, amantes, 
Nos jardins do prazer, 
E, em vez da flor, espinhos penetrantes 
Só chegais a colher, 
Resignados sofrei, sede constantes, 
Que a desventura, 
Que a mágoa e dor 
Sempre  em doçura 
Converte Amor. 


Almeida Garrett




GRAMÁTICA SENTIMENTAL DO CORAÇÃO | Miguel Carvalho


GRAMÁTICA SENTIMENTAL DO CORAÇÃO

Coração – Substantivo masculino, recorte à esquerda do meu peito, a alma picotada, de luto carregado ou amores de incenso. Não, órgão oco e musculoso não. Carente de fé, por vezes. A fazer-se forte, às tantas. Mas num intenso pulsar, sempre. Ora sepultando existências na cova funda dos anos, ora tricotando a vida que acontece enquanto penso o que fazer dela. Sensibilidade moral, sim, mas consciência da carne, quando fere. Coragem, ânimo e a forma tenrinha de te amar, a paixão sem osso, a roer-nos. Valor, carácter, saber que à boca não há-de ir parar a piedade que o corpo grita. Abrir o coração, semear palavras, lavrar toda a extensão da folha branca do teu corpo e ter a certeza de um verso na volta, a poesia em flor. Sentimentos com lealdade para sossego dos sentidos enquanto a inquietação preenche o lugar de não estares aqui. O coração caído aos pés, estilhaços de ilusões, as utopias trituradas, o esfrangalhar do ser na lâmina, à espera de ressuscitar no campo de batalha da consciência. Falar ao coração, comovê-lo. A ver se ele se importa. Dar-lhe colo, algemar o pensamento a rascunhos de mimo e desenhar, a traço grosso, o essencial que os olhos não alcançam. Fazer das tripas coração, o sangue a espirrar um estoicismo que não se resigna, a fibra de um rosto de papel, a cara à luta na ventania dos dias do avesso. Ter o coração ao pé da boca, mas entalar a raiva entre o bom senso dos teus lábios. Então, dar asas às palavras que escrevo no livro de horas que cabe em tua mão. Pedir-te que a feches. Pedir-te que me guardes, coração.

Miguel Carvalho [aqui]

Gonçalo M. Tavares


14.
geografia Móvel: O Corpo.
Pátria Portátil

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33.
Amar é ver diferente.
Depois fica-se cego.
Mas primeiro é ver diferente.


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53.
Não pensar no amor porque o amor não se pensa.
Pensar no amor ou é: não pensar, ou é: não amor.


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[Gonçalo M. Tvares, in Investigações Novalis]

Amor de Perdição - [menina coração]



Cara menina Coração:
        Desde os meus quinze anos que prometi o meu coração a um rapaz meu vizinho. Amo e sou amada por ele, contudo as nossas famílias estão desavindas. O meu pai não me compreende e quer que eu me case com meu primo Baltazar. Diz-me ele que com o tempo vou amá-lo. O meu pai até me disse: « minha querida filha, que a violência dum pai é sempre amor. ». Ontem, meu querido pai disse-me:
        « - Hás de casar! - Quero que cases! Quero!... Quando não, amaldiçoada serás para sempre, Teresa! Morrerás num convento! Esta casa irá para teu primo! Nenhum infame há de aqui pôr pé nas alcatifas de meus avós. Se és uma alma vil, não me pertences, não és minha filha, não podes herdar apelidos honrosos, que foram pela primeira vez insultados pelo pai desse miserável que tu amas! Maldita sejas! Entra nesse quarto, e espera que daí te arranquem para outro, onde não verás um raio de Sol.»
        Cara menina Paixão, o que devo fazer?
        Ass.: Teresa
        Tarefa:
        Elabora duas possíveis respostas à carta da menina Teresa, pondo-te na pele da “Menina Coração”. Uma imaginando-te na época em que decorre Amor de Perdição, outra, nos dias de hoje.


PASSADO

Primeiramente, tenho a dizer-te que vives enclausurada num verdadeiro dilema interior. Ora seguirás o teu coração, esquecendo assim, os interesses de teu pai. Ora, bastante mais racional, decides aceitar todas as ordens e conselhos que teu pai te dá e esquecer de vez esse rapaz por quem te apaixonas-te desvairadamente.
Teresa , peço-te acerrimamente que penses em ti acima de tudo, pensa e sê realista… pensa que o teu pai, embora ríspido, quer especialmente o teu bem, preservando assim o teu futuro ao lado de teu primo Baltasar. Este que sempre te respeitou e que por ti nutre um grande carinho e apreço. O teu primo dar-te-á  todos os regalos que necessites e com ele terás certamente um futuro assegurado.
Tens que seguir as vontades do teu pai, não deixes que a fugacidade dessa paixão aniquile os  laços de sangue com o teu pai… o pai que quer essencialmente o teu bem-estar e a tua felicidade.
Peço-te que não penses com o coração mas sim com a frieza e racionalidade da tua cabeça, ponderando o facto de esqueceres esse rapaz que só te trará infortúnios. Deixa que o teu primo consiga chegar ao teu coração, mostrando-te todas as suas qualidades para que assim possas encontrar a felicidade ao seu lado.
Sem mais nenhum assunto,
A tua sempre amiga,

“Menina Coração”.

 HOJE:

Considerando-me tua amiga e lutando principalmente pela tua felicidade ao lado de quem mais amas na vida, neste caso, o Simão,  aconselho-te a que nunca te subestimes na tua condição de mulher porque deves sempre seguir as tuas crenças e aquilo que te conduzirá à realização. Se assim o não fizeres, serás eternamente uma mulher  vazia e triste, subestimada pela sociedade, mais concretamente pelos interesses de teu pai que revelam uma atitude egoísta e possessiva, tratando-te como um bloco de gelo sem capacidade de escolha.

Deves acreditar na força incondicional do teu Amor, pensando sempre que só ao lado do Simão é que viverás a felicidade em pleno. Mesmo que para isso, tenhas que esquecer todas as ordens que teu pai te dá, mesmo que tenhas que abnegar os ideais que ele fantasiara para ti. Não podes casar com o teu primo Baltasar, se não é ele que tu amas… e nunca ele te conduzirá à felicidade!

Não deixes que o teu pai interfira na tua vida, ao ponto de te limitar as decisões. Pensa que tens que seguir o que o teu coração te verbaliza e que só assim poderás desfrutar desse Amor, dessa pureza de sentimento. Nunca te esqueças que podes não mais encontrar alguém como o Simão e esse eco vai  perpetuamente insubordinar a tua índole, na medida em que irás pensar que foste influenciada por terceiros e não admitiste as tuas próprias convicções. Por isso, aconselho-te a que lutes por este amor e que o vivas em absoluto com Simão, só ele te fará verdadeiramente feliz!

Sem mais nada a acrescentar,
A tua amiga,

“Menina Coração” / FILIPA MIGUEL


ONTEM

Olá menina Teresa, estou aqui para te ajudar nesse teu momento difícil de escolha.
Sei que deves estar confusa, mas aconselho-te a seguir o que o teu pai disse. Sabes que se não fizeres isso terás as piores consequências.
É melhor esqueceres a tua paixão pelo Simão e aceitares a ideia de te casares com o teu primo Baltazar. Ele dar-te-á felicidade e a paz que precisas. Podes pensar o contrário mas daqui a algum tempo vais dar-me razão.
És muito nova para estares a entrar em batalhas com o teu pai, tens de compreender que os homens mandam sempre em nós, pois eles nasceram com esse poder. Não te esqueças que o Simão é da família inimiga, por isso irias prejudicar a tua família perante a sociedade, lembra-te que tens uma reputação a manter. Sabes o que as pessoas do povo iriam falar? De ti, da tua história de amor com o Simão e isso não pode acontecer, sabes que o teu pai não ia gostar.

Espero que não tomes as decisões erradas e que me contes o que vais decidir, pensa no que te disse.

                                                Beijinhos, Menina Coração

HOJE

Olá, Teresa, que notícias tão más que me estás a contar…
Deves estar numa situação complicada, pois estás entre dois amores, o Simão e o teu pai. Sabes que respeito muita a relação com os nossos parentes, pois eles deram-nos toda a nossa educação, toda a nosso vida é por eles. Mas, estás a chegar à situação em precisas de “voar”, como todas as jovens passam por isso. Aconselho-te a falar com o teu pai, para ele perceber que tu é que escolhes o teu verdadeiro amor, que não é pelo teu primo Baltasar. Fala sobre o Simão, fala como ele é bom para contigo, diz que a história da família inimiga já passou, já foi há muito tempo e este acontecimento pode originar um novo começo de paz entre as famílias.
Se o teu pai não ceder, acho que deves ir por outro caminho, o mais dificil. Tenta arranjar um voo barato para um país longe com o Simão, sim, estou a dizer para fugires de casa e recomeçares a tua vida noutro sítio, depois podes regressar e podes ter um pai mais calmo e que tenha percebido que a tua cara metade é o Simão.

Não faças nada que te arrependas no futuro e nunca te esqueças que tu é que comandas a tua vida, as pessoas que estão à tua volta, só te amparam quando estás a precisar de uma ajuda, como é a minha função.
                                                                            Beijinhos, Menina Coração / Ana Raquel Serafim

 
Passado:

Querida Teresa:

Teresa,  faz o que teu pai te diz, casa com teu primo Baltazar, pois se não casas com ele não poderás casar com mais ninguém. O teu pai não vai permitir esse namoro com o teu amado, porque teu pai e o pai dele são grandes rivais: deves honrar o nome da tua família.
Além do  mais é o teu pai quem manda em ti e, se não fazes o que ele te manda,  morrerás enclausurada num convento.

HOJE

Querida Teresa

Se queres realmente seguir o que  teu coração te diz, ama quem te ama, pois deves procurar o caminho da tua felicidade.Se for preciso fugir, então que assim seja, foge para bem longe com o teu amado, pois não é pecado fugir quando é por amor e se trata de encontrar a tua felicidade.
Nos dias que correm tudo é possível, a esperança é a última a morrer.
Por isso faz aquilo que o teu coração segreda,

   Beijinhos, Menina Coração /  Tiago Sousa

PODIA SER CINEMA, PELA TEXTURA DA PELE QUE PROJECTA O CORPO, CORPO DE AMOR E MORTE

PODIA SER CINEMA, PELA TEXTURA DA PELE QUE PROJECTA O CORPO, CORPO DE AMOR E MORTE, PARA VER NA NOVA PEÇA DE RUI HORTA

Um dia, a juventude. O encontro com o outro, a mão tentando colher a superfície da pele, marcar na palma esse mapa da paixão. A sombra do desejo precipita a fuga. Devora os sentidos. Primeiro, esse abismo do amor. Rui Horta dirá que os corpos assim, lançados uns sobre os outros, perdidos nessa entrega, são como um transplante de coração. “É amar ou morrer.” É a vida aos 20 anos. “O amor é uma urgência. Dou-te o meu coração, e, se não me dás o teu, morro. Claro que na semana seguinte morro por outra pessoa.” Talk Show” é a primeira de três peças que o coreógrafo vai criar este ano para o Centro Cultural de Belém (de 15 a 18 de Outubro) enquanto artista associado daquele espaço. As três partilham uma abordagem ao acto criativo a partir do corpo como “território por excelência do amor”. Sem pudores nem complexos de tratar este tema, Rui Horta criou uma obra que define como “ultra-romântica”. Mas fê-lo através de estratégias contemporâneas de composição artística, com recurso à tecnologia e a uma narrativa fragmentária, não linear. Estão lá, mesmo que cada espectador possa ter uma leitura diferente da história, três idades do amor e da vida: “Aos 20 anos, o amor é um transplante; aos 50 anos, o amor é uma confusão; aos 70 anos, se existir amor, é uma evidência, é bonomia e uma enorme tranquilidade.”
()...“Talk Show” começa com um acidente de automóvel, a morte cerebral do condutor e o relato, exaustivo e gráfico, do transplante do coração. Ao mesmo tempo, um casal de bailarinos projecta em cena uma morada precária de intensidades amorosas. Conflitos. Silêncios feridos. Cada um, a seu modo, morre todos os dias. Esta é uma peça sobre a morte. Rui Horta diz que é uma peça sobre a morte do corpo. Mas é um corpo que transborda de amor. No início, há essa sobreposição da morte e do corpo. As duas, juntas em palco, são o discurso da urgência.
[…] Sem pudores nem complexos de tratar este tema, Rui Horta criou uma obra que define como “ultra-romântica”. Mas fê-lo através de estratégias contemporâneas de composição artística, com recurso à tecnologia e a uma narrativa fragmentária, não linear.
Organizada em três partes. Na segunda, em que há menos conversa, “falam sobre o atraso, sobre cães, sobre quebrar hábitos”. A terceira é um regresso às memórias. A paixão é vivida em felicidade, mas no passado, porque o futuro é a morte. E, neste sentido, é sempre uma viagem. “Acho que a coisa mais romântica que existe é duas pessoas envelhecerem juntas e amarem-se perdidamente.”
Esteticamente, é uma peça austera, cinzenta, tecnológica. “Esta obra é a mais alemã dos meus últimos anos. É uma obra disciplinadíssima, uma espécie de manual de utilização do princípio ao fim. No início falam como médicos, depois como psicólogos e por fim como geógrafos... No fundo, falam do amor mais avassalador, da morte mais urgente, da vida mais presente. É muito fria e germânica, mas também muito humana e emocional. Adorava que esta obra tocasse profundamente as pessoas falando de coisas completamente banais.”  Claudia Galhós, in Expresso Actual, 10.09.2010



morte de camilo | Vasco Graça Moura


morte de camilo

quando camilo deu, como então diziam os românticos
afectando o maior desprezo pelo corpo, um tiro
nos miolos, o projéctil furou muitos milhares de páginas
que ele, na cegueira, já não conseguia ler, mas

guardava na cabeça. elas entraram assim em contacto,
 umas com as outras, as dele e muitas mais, por esse
 novo canal aberto pela bala. no exacto momento
 da sua morte, tintas de sangue e dor insuportável,

ele deve ter reconhecido semelhanças e perdições,
reencontrado personagens e experiências
amarguradas a jorrarem, de súbito presentes,
deve ter entrevisto paisagens, rostos, torpezas, ironias,

intensidades próprias e alheias. camilo deve tê-las percorrido,
a velocidade do raio, numa fracção de segundo,
como numa espécie de nova ars combinatoria,
e compreendido as negras molas reais de tudo. nós só

não sabemos se então ainda lamentou já não poder
escrever esses enredos possíveis, fulgurantes numa prosa
cada vez mais dominada, mas que, corno sempre, da paixão
incontrolada e da morte e de rápidos traços se nutriam.

Vasco Graça Moura, “poemas com pessoas”

ÀS ARTES, CIDADÃOS!


Serralves,
Às Artes, Cidadãos!” incide sobre algumas das intersecções que a arte e a política manifestam na actualidade, abordando questões tais como a democracia, o activismo, a cidadania, a memória, a imigração, as ideologias, a revolução, a utopia, a iconoclastia, a crise, a sexualidade, o ambiente ou a globalização, entre outras.

A exposição apresenta obras produzidas por artistas nascidos a partir de 1961, ano da construção do Muro de Berlim, símbolo da divisão ideológica que marca a segunda metade do século XX, cuja sombra continua presente no pensamento político e cultural em inícios do século XXI. [aqui]

Digo-te por isso | Filipa Leal

                                                 [fotograma de Um amor de Perdição]
Digo-te por isso
que não me obrigues a luz.
Que escrever não é fácil,
que viver não é fácil
quando começamos a frase a meio.
Que lavo a cara ao chegar tão tarde
e mesmo assim o dia não se despega,
e mesmo assim
tu não estás, ninguém está.
Que não tenho espaço na minha secretária,
na minha vida, na minha cama
para tanto espaço.
Que já me disseram urbana,
e nem por isso me disseram decadente,
e que eu gostei.
Que já me disseram
muitas vezes
disfarçadamente triste,
e que por isso, por ser triste, por
sermos todos tristes, não mo deviam dizer.
Digo-te por isso
que não era minha intenção dizer-te mais uns versos
tristes e sem luz, e por isso, só por isso,
não era minha intenção dizer-te nada.

Filipa Leal

Correntes d'escritas 2011? Nós vamos.

Nós vamos... de metro.

Programa aqui.

Amor vs Paixão

Para mim 
o amor 
fica-me justo. 


Eu só visto
 a paixão 
de corpo inteiro.


Maria Teresa Horta

Canção da Cacofonia



(obrigada Inês pela lembrança dos Gato Fedorento)


CACOFONIA
Repetição de sons desagradáveis numa mesma sequência frásica. Opõe-se à eufonia e pode aplicar-se também à ocorrência de sons iguais no final de uma palavra e no começo na seguinte (cacófato). Constituem exemplos de cacofonia a aliteração, a colisão, o eco e o hiato. (...) No seuTratado de Metrificação Portuguesa (1851), Feliciano de Castilho propõe três tipos de cacofonias: de torpeza, de imundície e de simples desagrado, todas as espécies atestadas mesmo nos autores clássicos. O conceito de cacofonia é próximo do de dissonância, embora este se reserve para a simples falta de harmonia entre sons próximos, que não têm de ser necessariamente agressivos para o ouvido. (daqui)

Talk Show | Rui Horta | dia 11.01.11


Rui Horta - Talk Show from Dance Umbrella on Vimeo.


Talk Show é uma obra para quatro intérpretes e duas colunas de som. Um questionamento sobre o corpo enquanto sistema comunicante e sobre o seu desaparecimento ao longo da vida no território maior da sua evidência: o amor. Um homem e uma mulher falam um com o outro à frente de uma plateia. As suas linguagens são simultaneamente a voz e o corpo. O corpo é a nossa única propriedade, tudo o que realizamos tem a sua medida, tanto no espaço como no tempo. Talk Show é um road movie do corpo. Um exercício de curiosidade e inquietude perante o desconhecido. aqui

Quando o Amor de Perdição era interdito a menores....

Ficha de Leitura de Adolfo Simões Müller (1983)


Ficha de Leitura de António Quadros
(Rol de Livros)